MAIS UM CASO DE TRÁFICO DE BRASILEIRAS
À semelhança da maioria das vítimas de tráfico humano para Portugal, veio de um estado do Interior brasileiro coberto de pobreza e desemprego. São mães solteiras ou divorciadas, que deixam os filhos entregues à família. Imigram pensando que em Portugal uma ajudante de cozinha consegue “300 euros por dia, quando lá se é desempregado ou ganha-se 25 euros por mês”. A ilusão custou ao Estado português, em 2004, 1,3 milhões de euros em repatriamentos.
No Brasil, Daniela foi contactada por uma angariadora. Tratou das burocracias – do passaporte aos contactos com o ‘patrão’ luso – e enviou-a para Portugal, via Madrid. Em Espanha, esperava-a o ‘patrão’, que a reconheceu por uma fotografia e pela roupa que usava conforme combinado: preto e branco com um lenço branco atado na carteira e uma fita vermelha no cabelo.
Logo ali, ficou combinado que quando chegasse ao café, a mulher do ‘patrão’ (também brasileira) lhe explicaria o serviço. Só que o café era uma boîte de prostitutas, no Interior do País. Ficaram-lhe com os documentos e obrigaram-na a pagar as despesas da viagem e muitas outras.
“Mal cheguei, a patroa pediu-me os documentos. Soube então que ia prostituir-me.” Daniela ainda tentou contrariá-la, mas os argumentos foram implacáveis. “Você entrou mal [ilegal], agora não posso devolver os seus documentos. Só depois de pagar os 3850 euros que me deve – 3250 euros do avião e 600 do táxi que apanhou em Madrid.
”A conversa depressa descambou em insultos e ameaças. “A patroa disse que eu era uma infeliz e devia ficar de boca calada. Me bateu de cinto, mangueira e faca. Dizia que se fugisse me encontrava, nem que fosse no inferno e matava a minha família no Brasil se não fizesse dinheiro para ela. Chamou-me ainda de vagabunda e deu-me um tapa na cara.
”Daniela ficou a viver num dos 12 quartos da casa, por cima da boîte. Eram 19 mulheres – 15 brasileiras, duas colombianas e duas portuguesas. O controlo era apertado e se alguma saía sem autorização pagava uma multa de 250 euros.
NEGÓCIO VICIADO
Os clientes pagavam três euros pelas bebidas e 15 a 25 para irem para o “reservado dos apalpões e beijos”. Neste caso, metade ficava para a prostituta, mas só tinham dez minutos para convencê-los a ir para um quarto. As que não conseguiam eram humilhadas e pressionadas a largar o cliente. Os que queriam ir para o quarto pagavam 26 euros. A prostituta ficava com 20, mas também despesas obrigatórias: um euro por dois preservativos, dois pelos lençóis descartáveis e outro tanto pelo saco do lixo. Se demorassem mais de 20 minutos eram multadas em cinco euros. Quando saíam em serviço, a casa recebia de 250 a 400 euros, elas um terço do valor. Na prática, o dinheiro ficava todo para os ‘patrões’, pelas ‘dívidas’: bilhete de avião, roupa, alimentação.
Daniela foi obrigada a trabalhar doente e menstruada. Acabou por engravidar e tentou o aborto. Tarde demais – está grávida de quatro meses. Uma das colegas fugiu e contou tudo à Polícia, que terminou com o pesadelo. Daniela está livre, mas pior do que quando saiu do Brasil.
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