quarta-feira, outubro 22, 2008

Inquérito da Linha do Tua

Comissão de inquérito está com dificuldades em explicar se o acidente foi causado pelo
estado da infra-estrutura ferroviária ou pela condição do material circulante

Dois meses depois do acidente, e após ter ficado, literalmente, de rodas para o ar num barranco da Linha do Tua, a automotora envolvida no acidente do dia 22 de Agosto foi finalmente resgatada e transportada no passado fim-de-semana às oficinas da EMEF, em Guifões. Aqui vai ser sujeita a análises por peritos e posteriormente reparada.
Como a comissão de inquérito não autorizara a sua remoção até à data, o veículo estava em risco de rápida degradação e a custar caro à CP e à Refer, que tiveram de suportar as despesas de vigilância da composição que foi assegurada pela GNR. Para complicar mais as coisas, a automotora não pôde ser içada por guindastes e recolocada nos carris, porque não havia espaço no local para lá fazer chegar máquinas pesadas. A solução passou pela construção de uma via-férrea provisória, em plano inclinado, que desceu ao local do acidente para a automotora poder subir até à Linha do Tua.
Cerca de duas dezenas de técnicos estiveram já nas oficinas de Guifões para analisar ao milímetro o veículo. CP e Refer rejeitam, entretanto, responsabilidades na origem do acidente, preferindo esperar pelos resultados do inquérito.
Coincidências
A hipótese de sabotagem parece afastada, mas uma fonte da Polícia Judiciária disse ao PÚBLICO que, no acidente ocorrido em Junho passado (do qual resultaram dois feridos ligeiros), havia marcas de uma pedra calcária nos carris, que poderia ter contribuído para o acidente. A mesma fonte fez notar ainda uma evidência que não passa despercebida a um policia: os três acidentes do Tua dos últimos dois anos ocorreram todos durante a manhã e em locais muito próximos uns dos outros.
Por outro lado, a automotora que descarrilou em Agosto foi a mesma que também saltara dos carris em Junho passado e, curiosamente, em condições muito simulares: em ambos os casos a composição ia a frenar (travar) e tombou sempre para o mesmo lado. Nos dois acidentes também foram sempre os rodados dianteiros a descarrilar, empurrados pelos rodados traseiros que têm tracção.
Para afastar quaisquer dúvidas sobre as condições dos boogies (equipamento sobre o qual assenta a caixa do veículo nos rodados), terão de ser feitos testes em bancos de ensaios.
A suspensão destas automotoras levanta igualmente dúvidas, de acordo com um especialista consultado pelo PÚBLICO. 'Como estariam as molas e os amortecedores? O amortecimento de ambos os lados era simétrico? Quais eram as folgas das chumaceiras?' perguntou. E algum destes elementos terá sido controlado e medido quando se 'reconstruiu', a partir de velhas automotoras, os 'novos' LRV (Light Rail Vehicle) que prestam serviço na Linha do Tua? É que na origem destes (aparentemente) modernos autocarros sobre carris está material comprado nos anos setenta aos caminhos-de-ferro da então Jugoslávia.
Estas questões são decisivas porque, se se vier a provar a inadequação deste material à Linha do Tua - por razões que podem ter a ver com a sua excessiva leveza ou defeitos de suspensão -, a Refer pondera proibir a sua circulação nas suas infra-estruturas.
A CP, porém, assegura que a automotora estava em perfeitas condições, até porque, tendo intervindo no anterior acidente, havia sido integralmente reparada pela sua empresa de manutenção, EMEF. É normal que na perspectiva do dono do comboio o problema esteja no estado da infra-estrutura que, segundo testemunhos, se prendem com o facto de na curva onde se deu o acidente a 'via alta estar baixa e a via baixa estar alta', isto é, a inclinação da linha estaria precisamente ao contrário daquilo que as regras de segurança determinam.
Acresce ainda que o troço onde ocorreram os acidentes não era renovado há cerca de 15 anos (ver infografia), não tendo as conservações de via decorrido com a frequência com que foram sendo feitas nos últimos cem anos.
Falhas de manutenção
Para se perceber as alegadas falhas de manutenção na infra-estrutura é preciso recuar a um tempo em que a linha estava dividida em secções, chamadas 'distritos', às quais estavam afectas um grupo de operários de via que faziam a sua conservação e vigilância. Havia também planos de conservação para garantir a qualidade da via, que eram escrupulosamente respeitados.
Mas isso era quando a Linha do Tua tinha seis comboios por dia em cada sentido e transportava passageiros e mercadorias. Com o seu encerramento entre Mirandela e Bragança, e a redução do tráfego no troço restante, estas estruturas internas foram parcialmente desmantelada e substituídas por empreiteiros em regime de outsourcing.
E, embora seja verdade que tem havido investimentos na linha nos últimos anos - anunciados várias vezes pela Refer e pelo Governo -, estes foram concentrados na eliminação de passagens de nível, introdução de fibra óptica, consolidação de aterros e trincheiras (para evitar desabamentos), mas nem sempre aplicados na via-férrea propriamente dita.
70
As automotoras da Linha do Tua foram construídas sobre material comprado nos anos 70 à Jugoslávia

Estou